Em um mundo onde a tecnologia está sempre ao alcance das mãos, o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes tem se tornado uma preocupação crescente entre pais, educadores e profissionais da saúde. A psicóloga Letícia Ribeiro, que atende o público infanto-juvenil no Centro Médico da Unimed Tubarão, alerta que o problema não está nas telas em si, mas na forma como elas são utilizadas. “Hoje, o celular está sempre por perto. Quando esquecemos, voltamos para buscar. Isso mostra o quanto ele se tornou indispensável — inclusive para as crianças”, afirma. Segundo ela, o uso desregulado pode afetar o desenvolvimento emocional, cognitivo e social dos pequenos.
Letícia explica que o cérebro infantil é altamente sensível aos estímulos e que o consumo constante de vídeos curtos, coloridos e com sons intensos — como os encontrados em redes sociais e plataformas de vídeo — condiciona o cérebro a buscar recompensas rápidas. “Isso está diretamente ligado à dopamina, neurotransmissor do prazer. Quando o cérebro se acostuma a obter prazer sem esforço, como ao rolar uma tela ou assistir a vídeos, ele passa a rejeitar atividades que exigem dedicação, como estudar ou praticar esportes”, explica. A psicóloga reforça que o problema não é o prazer em si, mas o excesso e a falta de equilíbrio. “O celular, o chocolate, as emoções… nada disso é ruim por natureza. A questão é a quantidade e o propósito com que usamos.”
As consequências desse uso exagerado nem sempre são percebidas de imediato. “Os pais geralmente não chegam ao consultório dizendo que o filho usa muita tela. Eles relatam falta de atenção, irritabilidade, dificuldades na escola ou impaciência. Só depois, ao investigar a rotina, percebemos o quanto o tempo de tela está interferindo”, conta Letícia. Ela destaca que o excesso de estímulo digital pode gerar ansiedade, desatenção e até dificuldades de autorregulação emocional. “A criança se acostuma com um mundo cheio de efeitos, sons e recompensas instantâneas. A vida real, que exige espera, silêncio e esforço, passa a parecer sem graça.”
A psicóloga também chama atenção para o uso precoce das redes sociais. Embora muitas plataformas tenham idade mínima de 13 anos, é comum encontrar crianças de 9 ou 10 anos com perfis ativos. “A criança ainda não tem maturidade emocional e cognitiva para lidar com tudo o que encontra ali. Ela precisa de tempo, formação afetiva e orientação para desenvolver senso crítico e saber o que é seguro ou não”, explica. Letícia reforça que o papel dos pais é fundamental nesse processo: “Não se trata de vigiar 24 horas, mas de acompanhar, conversar, saber o que está sendo consumido e, principalmente, dar o exemplo.”
Por fim, ela lembra que o desenvolvimento saudável exige mais do que estímulos digitais. “Precisamos de tempo, silêncio, convivência, frustração e esforço. São esses elementos que constroem a capacidade de lidar com as emoções e com os desafios da vida. Se não oferecermos isso às crianças, corremos o risco de formar adultos frustrados, impacientes e dependentes de distrações externas para se autorregular.” O equilíbrio, segundo Letícia, é a chave — e ele começa com a presença e o olhar atento dos adultos.
