A colecionadora de palavras
Tem gente que coleciona selos, ursinhos, carrinhos, roupas, namorados, eu coleciono palavras, frases, livros. Mais do que escritora e jornalista, sou uma colecionadora de palavras. Adoro conhecer palavras novas, ou novos usos de palavras antigas. Quando estou lendo um livro, às vezes passo minutos detida em uma determinada palavra e imaginando seu uso em outras frases, outros contextos. Já comecei a escrever uma crônica só para usar determinada palavra. A palavra que me estimulou a escrever esta crônica, por exemplo, foi “serendipity” (serendipidade), que significa capacidade de fazer descobertas importantes por acaso.
Acho a sonoridade mais bonita quando falada em Inglês. Conheci essa palavra no romance do catarinense Flávio Dias “As bruxas do lago Léman”, que li ano passado. Fiquei dias, meses, repetindo-a, depois me esqueci. Esta semana, vendo o filme “Escrito nas Estrelas”, que em inglês tem como título “Serendipidy” ela me aparece novamente ao acaso, como uma nova descoberta. E eu volto a repeti-la várias vezes só para ouvir sua sonoridade: serendipidy, serendipidy, serendipidy.
Gosto da estética das palavras, do seu lugar na frase, sua semântica. Quando escrevo, minha maior diversão é buscar a melhor palavra para aquela frase, a que melhor cabe, a mais bonita, a que faz o texto ficar mais rico em seu significado.
Além de palavras, coleciono frases. Não consigo ler um livro sem marcar aquelas que se sobressaem aos meus olhos. Estou lendo o livro “Esboço”, de Rachel Cusk e algumas frases eu gostaria de ter escrito, como não escrevi, pego para a minha coleção de frases. Como, por exemplo, “o inesperado às vezes parece um convite ao destino”. Que frase linda! Fiquei horas pensando sobre ela. Tão linda que dá vontade de tocar.
A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água”, “era tudo tão doce, tão gozo, tão dor”. Essas frases maravilhosas são do livro “Olhos D’água”, de Conceição Evaristo. Já peguei para minha coleção. Ah, como eu queria tê-las escrito.
Às vezes, parece que tudo já foi tão lindamente escrito. Mas com minha coleção de palavras e frases, cato uma “lembrança” aqui, um “afeto” acolá, e na “esperança” de dar novos sentidos às frases vou brincando de tecer uma nova história, num jogo sonoro de significante e significado, como a alma de um rio, ou a voz de uma montanha.
Tenho como um de meus mestres o poeta das miudezas Manoel de Barros, que gosta de “atrelar palavras de rebanhos diferentes”, com o intuito de “causar distúrbios no idioma”. A frase, seu elemento primordial de trabalho, é submetida a um desarranjo semântico pelo encontro inusitado de realidades aparentemente incompatíveis, como quando escreve que “quebraram dentro dele um engradado de estrelas” ou “os homens deste lugar são uma continuação das águas”. Ah, como eu amo brincar com o universo das palavras! São festejos da linguagem!