O povo está bestializado

Estamos vivendo tempos estranhos. Muito estranhos. Nestes dias, estamos assistindo bestializados a politização de absolutamente tudo. Os cuidados com a saúde individual e coletiva, ou pública, contra o coronavírus, que matou milhões de pessoas mundo afora, o uso de vacina, o tratamento precoce, os direitos e deveres de cada cidadão, em sociedade. Este fenômeno pode ser observado mais claramente no Brasil. Enredados em denúncias de corrupção, comportamentos questionáveis, e demonstração de clara falta de preparo para os cargos, autoridades dos três poderes da república do Brasil desviam o foco agindo de forma atabalhoada e que não convergem para o interesse público.

No governo, o presidente Jair Bolsonaro dá espaço para ataques de dezenas de frentes ao falar o que pensa, sem temperança ou equilíbrio, não obedecendo a liturgia do cargo de presidente da República. É verdade que outros ocupantes do mesmo cargo tiveram comportamentos condenáveis, participando e se deixando envolver em condutas deploráveis com envolvimento comprovado em casos de corrupção, desvio de dinheiro público, assalto aos cofres do tesouro nacional, em detrimento da obrigação de governar para atender as necessidades da população pagadora de pesadas taxas de impostos sobre a renda e sobre bens de consumo essenciais, como alimentos, roupas, medicamentos, habitação. Os bolsos dos brasileiros, trabalhadores ou empresários são alvo da insaciável fome arrecadadora do Estado que não devolve ao público o dinheiro do público.

No Congresso Nacional, parlamentares acuados, acusados de inúmeros casos de corrupção, apropriação indevida, formação de quadrilha e desvios do mesmo dinheiro do público, agem em defesa e na criação de benefícios próprios, alterando a legislação a cada inconveniente que surge, como é o caso da coligação partidária para cargos especialmente no legislativo. Acuados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde poderiam ser julgados, uma vez que têm foto privilegiado (no Brasil mais de 50 mil autoridades ou ocupantes de cargos públicos têm foro privilegiado), os senadores abriram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o governo federal e o presidente da República, desrespeitando o próprio Regimento Interno que estabelece uma ordem cronológica para criação de CPI. A ordem é cronológica. Mas o STF mandou e o Senado abriu a CPI para investigar a liberação de recursos. Quase um trilhão de reais liberados para estados e municípios. Desvios, roubalheira e mau uso dos recursos ocorreram na aplicação dos valores e não na liberação.

E no STF, que acabou com a obrigatoriedade de cursos superior para a prática do Jornalismo, e que agora investiga a indústria das Fake News, que deveriam ser chamadas de mentiras, os ministros abrem inquéritos, investigam, julgam e condenam sem ouvir o Procurador Geral da República, que tem o papel de promotor ou acusador. A prisão do presidente do PTB, ex-deputado Roberto Jeferson, por um ministro do STF é o fim do respeito a isonomia e paridade entre os poderes. O homem não é santo. Se envolveu e participou de inúmeros casos considerados crimes. Mas daí a ser preso sem um devido processo legal, é difícil de engolir. O problema aqui é o precedente. A partir desta prática inaugurada no STF, qualquer brasileiro pode ser preso a qualquer momento.

Basta olhar nas redes sociais, na imprensa, que é possível falar mal do presidente ou do governo. É possível criticar o Congresso Nacional e seus membros. Mas quem acusa ou critica o STF passa a ser inimigo do Estado e preso sem defesa, ao arrepio do Artigo 5 da Constituição Federal. Ali está escrito que “todos são iguais perante a lei” e que “é livre o direto de manifestação e opinião”.

Nos três poderes, aqueles que deveriam guardar a Constituição, passam a usá-la em benefício próprio. E “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”. A frase é do político e jornalista Aristides Lobo, a respeito do golpe que baniu a família real brasileira e instaurou a República, mas que bem serve para os tempos estranhos que estamos vivendo.